“Minimalismo Já” e suas armadilhas

“minimalismo já” é o titulo em português

Primeiro dia do ano e a Netflix lança um documentário ( um docudrama, pra ser mais exata) sobre minimalismo, aproveitando a carona nas promessas de ano-novo, com toda aquela energia (que dá pra sentir no ar no mundo ocidental) de mudança, transformação, vida nova, novos hábitos e folha em branco. Se você já assistiu a esse filme e gostou, recomendo o filme anterior, da mesma dupla, que é mais informativo. Se você não viu nada e não sabe do que estou falando, explico: minimalismo é um movimento de pessoas que buscam viver com “menos coisas” para dar espaço ao que realmente importa. A proposta de reflexão do filme é que ao viver apenas com itens essenciais e funcionais para você, o tempo e o dinheiro que você sempre achou que não tinha irão aparecer e te ajudar a encontrar o que te faz essencialmente feliz, longe dos algoritmos de vendas que se beneficiam pelos comportamentos de manada.

Eu gosto bastante desta ideia. Concordo plenamente que a felicidade não pode estar atrelada ao consumo e acho o minimalismo uma ótima porta de entrada para discutir temas maiores, que geram impacto na sociedade e e que sigam além da satisfação individual. Mas para alcançar uma mudança real, é preciso estar atenta a algumas armadilhas de comportamento que os filmes passam batido.

É Cilada, Bino #1

Você maratonou os documentário de minimalismo na Netflix, os canais do Youtube do The minimalist e do Matt D’avella, começou a seguir 38 influencers minimalistas no instagram e jogou metade do guarda roupa pela janela. A motivação está altíssima e você já se sente mais iluminada, alcançando o Nirvana e falando pausadamente como um instrutor de yoga. Eis que vem a primeira crise emocional, causada pelo trabalho, pela família, ou pelo noticiário, e a vontade de se jogar nos velhos hábitos de consumo ( pelas sensações de conforto, controle e familiaridade) te vencem pelo cansaço e logo seu armário volta a ficar entulhado.
Você que pensou que iria dar uma rasteira nas empresas, jogou tudo o que tinha fora para poder comprar tudo de novo. Adivinha quem saiu ganhando?

É Cilada, Bino #2

Aqueles 38 influencers de minimalismo no instagram tem um feed lindo, né? Super clean e organizado. Olha só esse armário minimalista, só com calças pretas e blusas brancas. E essa cozinha de louças assimétricas e coador de café de cerâmica? Meu Deus, esse quadro de dois metros de altura com apenas um triângulo desenhado no meio é perfeito para trazer o equilíbrio para o ambiente… Entendeu aonde eu quero chegar? Substituir tudo o que você já tem pela “versão minimalista” pode dar a sensação de ir pelo caminho certo, mas sem fazer o dever de casa de refletir o que faz sentido na sua vida e o que de fato te deixa feliz, eu sinto muito informar, mas você vai continuar acreditando que sua existência está em comprar coisas, mas agora são coisas com jeitão orgânico e desconstruído.

É Cilada, Bino #3

Você viu os filmes, leu os livros, refletiu, meditou, fez terapia e encontrou o sentido na vida, seus dias são mais leves e organizados e você quer que todo mundo se sinta assim também. Espalha a palavra do minimalismo aos quatro cantos e compartilha sua história pessoal para ajudar na motivação, afinal, se você conseguiu, todo mundo consegue, certo?

— Pausa para ir ao google pesquisar sobre “alienação pelo trabalho” — Fim da pausa. —

Nem todo mundo acorda às cinco da manhã para refletir sobre seu dia e/ou se motivar a ser uma pessoa melhor. Muito trabalhador acorda às 5h para enfrentar dois ônibus e um trem e então encarar uma jornada extenuante e no final do dia passar por mais uma provação no transporte público e mais trabalho em casa. Nos dias de folga essas pessoas estão tão exaustas, que é óbvio que só querem o que é fácil: consumo, entretenimento, escapismo. Elas não são fracas. Elas não são burras. Elas não tem pouca força de vontade. Elas são vítimas de um sistema desenhado para que não tenham tempo ou energia para refletir sobre coisas como minimalismo.

Você, ser superior que encontrou seu propósito individual, não está na posição de julgar as escolhas de quem faz dívida no cartão para comprar uma bobagem que viu na televisão, porque no fim das contas, a classe mais pobre não tem escolha alguma. O atual sistema capitalista cega e aprisiona, não é certo culpar as suas vítimas.

E como fugir das armadilhas?

Olha, se você acha que a ideia de consumir de forma consciente é boa e que há sempre um motivo comercial por trás das “informações” que chegam até você na internet, parabéns você está indo por bom caminho. Uma vez que o conceito do minimalismo faça sentido no âmbito individual, o passo seguinte é pensar em como levar seus ideais a uma escala maior. Como seria uma sociedade minimalista? Como seriam as relações entre as pessoas, entre os trabalhadores, entre pais e filhos? Você acha que essa sociedade seria melhor? Por que?
Espero que a partir dessas reflexões, seja possível perceber que a raiz do problema é o modelo econômico da maioria dos países, onde as coisas tem muito mais valor que as pessoas e o lucro nunca é suficiente. E se você acha que é impossível fugir desse sistema, adivinha só, é isso mesmo que querem que você pense.

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